19 de set. de 2011

Unidos por uma Canção

por Yuno Silva / repórter



A magia de uma canção também pode ser traduzida por sua capacidade de atravessar gerações. Por mais singela que uma letra possa parecer, nada se comparara a seu potencial de tocar os sentimentos mais profundos que habitam o âmago de qualquer ser humano - a relatividade do tempo torna-se trivial diante de uma música como "Casinha Branca", que fez história e até hoje permanece na memória sonora de muitos brasileiros.

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Uma certa casinha branca de varanda mudou a vida do rapper MC Dexter: - Passei muito tempo sem pisar na terra, diz
Composta em 1976 pelo potiguar Gilson Vieira, em parceria com Joran, "Casinha Branca" transcendeu: regravada 17 vezes por nomes que vão de Maria Bethânia a Maurício Mattar, a essência de sua mensagem continua reverberando, e seu alcance chega a lugares e corações tão dispares que buscar por qualquer explicação é perda de tempo. Talvez seja o cenário de simplicidade desenhado na canção que a torne tão especial, e serve como ponto de partida para a retomada da liberdade do rapper paulistano Dexter - da mesma forma, a música também é o ponto que une o MC e o potiguar.
Natural de Macau, Gilson tem 59 anos é irmão do cantor Nazareno Vieira e mora no Rio de Janeiro desde 1966, cidade onde construiu sua carreira e constituiu família.
"Fiquei surpreso e muito feliz com o contato do Dexter", disse Gilson. Eles ainda não se conhecem, inclusive fizeram o primeiro contato por telefone na segunda-feira, através da reportagem da TRIBUNA DO NORTE. Mas o potiguar já autorizou a utilização do fonograma sampleado pelo MC paulistano na música "Como vai seu mundo". "Ele quer que eu participe da gravação de seu próximo disco", contou o autor de "Casinha Branca".

Valores simples
Há quatro meses em liberdade, após 13 anos e três meses cumprindo pena por assalto a mão armada, queria arranjar dinheiro para gravar seu primeiro disco, Dexter encontrou na música de Gilson Vieira valores que a maioria das pessoas nem se dão conta de sua dimensão: "Não há nada melhor que sentir a brisa no rosto, ver o sol nascer ou mesmo pisar na grama, fazem toda a diferença quando você está privado de sua liberdade", afirmou o rapper de 38 anos, parceiro de artistas como Mano Brown do Racionais MC.

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Regravado por artistas como Bethânia e Kid Abelha, o macauense Gilson Vieira da Silva diz que a pirataria tirou o sossego dos compositores

"Cresci ouvindo Paulo Sérgio, Luiz Gonzaga e Gilson Vieira no rádio e sempre sonhei em ser artista. Uma noite, deitado na cela onde estava detido, comecei a pensar em um refrão para minha música e 'Casinha Branca' veio na minha cabeça. Essa música tem tudo a ver com o que eu estava passando e querendo passar: esse lance da simplicidade, de valorizar as coisas simples da vida", recorda.


Pisar na terra
Dexter, ex-integrante do grupo 509-E (número de sua sela quando esteve detido no Carandiru), lembra que passou onze anos sem pisar na terra, "era só concreto e barras de ferro", em regime fechado. "No dia 11 de abril de 2009, depois de oito anos sem fazer show na rua, realizei o show 'Dexter e Convidados', ao lado de amigos como Paula Lima, Mano Brown e Thaíde, e essa música já estava na boca da galera. Foi maravilhoso ver as pessoas cantando o refrão do Gilson", comemora o MC. "Fez tanto sucesso, que a versão original da música voltou a tocar nas rádios".
Sempre em busca de renovação, o MC já está produzindo seu quinto disco, o terceiro solo, e Gilson será convidado especial tanto para participar tanto da gravação quanto no próximo evento "Dexter e Convidados". "O disco vai se chamar 'Flor de Lótus', uma alusão à flor que nasce no meio do lodo - é assim que vejo alguns parceiros que estão presos: eles estão mergulhados no lodo, mas são figuras especiais", garante. Ele lembra que circulou por vários presídios antes de ser solto: "Não representava perigo para a segurança, só queria estudar, conhecer, incentivar meus colegas a fazer coisas importantes. Quando um preso começa a pensar, é visto como ameaça. Uma vez estava na Penitenciária 2 de São Vicente, litoral de SP, e quando conseguimos construir três salas de aula, biblioteca e rádio comunitária interna fui transferido. Não me deixar usufruir nada daquilo e tive que recomeçar do zero em outro lugar", lamenta o rapper. "A música foi a forma que encontrei para passar minha mensagem".



Casinha branca
(Gilson Vieira e Joran)
Eu tenho andado tão sozinho ultimamente

Que nem vejo a minha frente

Nada que me dê prazer

Sinto cada vez mais longe a felicidade

Vendo em minha mocidade

Tanto sonho perecer



Eu queria ter na vida simplesmente

Um lugar de mato verde

Pra plantar e pra colher

Ter uma casinha branca de varanda

Um quintal e uma janela

Para ver o sol nascer



Às vezes saio a caminhar pela cidade

À procura de amizades

Vou seguindo a multidão

Mas eu me retraio olhando em cada rosto

Cada um tem seu mistério

Seu sofrer, sua ilusão

Ouça a cersão original de "Casinha Branca", na voz de Gilson Vieira:

 

Música "Como vai seu mundo", onde Dexter acrescenta sampler de "Casinha Branca":




Gilson foi gravado por vários artistas

Para o compositor potiguar, "Casinha Branca" retrata o desejo latente no coração. "Quando fizemos a música, encontramos o verdadeiro desejo que estava no interior da gente, lá no fundo, guardado. Com uma vida simples você vive em paz, o resto é tudo transitório", aposta Gilson. Apesar de quase quatro décadas de carreira, o cantor e compositor só lançou quatro disco - três com alcance nacional: "Gilson" (1979), "Encontro Casual" (1987) e "Tempo Bom" (1991). "Preferi me dedicar a carreira de compositor e ver meus filhos crescerem, me dedicar à família. Tenho estúdio em casa, acompanho (ao teclado e piano) a gravação de discos de vários artistas e minhas músicas são gravadas por grandes nomes da MPB", disse.

De fato, as letras de Gilson ganham vida na voz de nomes como as duplas sertanejas Christian e Ralph, Gian e Giovanni, Bruno e Marrone, Victor e Leo; e artistas renomados como Roberto Carlos, Maria Bethânia, Adriana, Fábio Jr, Emílio Santiago e Alcione. "Com a pirataria, as coisas complicaram muito para os compositores e o rendimento caiu muito, as vendas despencaram de forma vertiginosa, por isso estou começando a retomar minha carreira de cantor. Estou preparando um CD com coletâneas de sucessos e ano que vem pretendo lançar DVD. Tenho que começar a botar a cara na rua de novo". Em Natal, Gilson chegou a fazer algumas edições do projeto Seis & Meia e diz que não perde contato com a família. "Meu irmão, Nazareno Vieira, está em Natal, tenho parentes em Macau, então, sempre que posso vou ao RN".


Regravações
A música de Gilson e Joran foi regravada por Kid Abelha, Maria Bethânia, Joanna, Altemar Dutra, Fábio Júnior, GMPtrio, Raimundo Gomes, Maurício Mattar, José Augusto, Neguinho da Beija Flor, Maria Creusa, Rosemary, Os Piratas do Forró, Kid Abelha, Maria da Paz, entre outros.

Lembranças do irmão Nazareno Vieira

Prestes a completar 50 anos de carreira, Nazareno Vieira, 72, conta que conviveu pouco com o irmão caçula. "Gilson foi novo para o Rio de Janeiro, devia ter uns 14 anos. Parte da família foi para lá quando minha irmã casou com um marinheiro carioca, inclusive minha mãe está com 90 anos e mora no Rio. Cheguei a morar três anos com eles na capital fluminense. Depois fui para São Paulo seguir carreira", lembrou Nazareno, filho mais velho de uma família de 20 irmãos. "Não gravei 'Casinha Branca', mas tenho muito orgulho de ter sido feita pelo meu irmão".
Na terra da garoa, o macauense Nazareno participou do programa do Chacrinha, se apresentou no Teatro de Arena no projeto Samba Prontidão e Outras Bossas, gravou com Pena Branca (nada a ver com o Pena Branca da dupla com Xavantinho) e foi backing vocal de Jamelão no último Festival da Record. "Fiquei em São Paulo até 1988, até voltar para Natal", lembra. Em 2010, lançou o CD "Feliz da Vida", com presença de Gilson, Max de Castro, Wilson Simoninha, o os parceiros do Três no Tom Towar e Neném.
Para comemorar meio século de música, Nazareno convidou Babal, Lucinha Lira, Nara Costa, Manassés, Guaracy Picado, o grupo Três no Tom e Pedro Mendes para participar do show "Bossa Ontem, Hoje e Sempre", que acontece no Teatro de Cultura Popular no próximo dia 14 de outubro. O cantor estará acompanhado por Eduardo Taufic (teclado), Paulo Milton (baixo) e um baterista - na ocasião, a cantora Silvana Martins, que atuou por 16 anos ao lado de Nazareno, também comemora seus 35 anos de carreira. Os ingressos antecipados estão à venda através dos telefones: (84) 8742-6977 e 9602-3173, ou na bilheteria do TCP no dia do show.

Fonte: Tribuna do Norte